Ofício do MCTI à Defensoria da União no Rio traz revelações envolvendo a pílula do câncer

Um ofício encaminhado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) ao defensor Público Federal no Rio de Janeiro, Daniel de Macedo, gera nova polêmica acerca das pesquisas envolvendo a fosfoetanolamina sintética. O documento, datado de 4 de abril, esclarece dados científicos sobre a chamada "pílula do câncer", fabricada por pesquisadores da USP São Carlos, no interior de São Paulo. As novas informações dão conta de que as análises do composto feitas pela Universidade de Campinas (Unicamp) tiveram como fonte cápsulas sintetizadas na instituição e não das amostras enviadas pelos descobridores da pílula, como foi informado pelo ministério. O documento destaca também que em teste in vitro (em tubos de ensaio) o grau de pureza foram maiores que 98%. O percentual elevado de impurezas divulgado recentemente nos resultados dos estudos levantou dúvidas quanto a eficácia e segurança do composto.  

O ofício que chegou as mãos do defensor Daniel de Macedo foi produzido a partir de questionamentos do próprio magistrado e pelo cientista da USP Gilberto Chierice, um dos descobridores do composto, aos laboratórios responsáveis pelas pesquisas. Em uma das perguntas, o defensor quer saber se a fosfoetanolamina isolada pelo laboratório da Unicamp foi a partir de cápsulas fornecidas por Salvador Neto Claro, cientista responsável pela fabricação do composto na USP. A resposta foi "não". "O composto 'fosfoetanolamina sintética' foi sintetizado e purificado pelo LQOS da Unicamp, a partir das informações contidas no pedido de patente depositado no INPI pelos inventores da 'fosfoetanolamina sintética'", destaca o texto.   

Na mesma resposta, a instituição informa que "o grau de pureza da fosfoetanolamina, monoetanolamina e fosbisetanolamina utilizadas nos ensaios in vitro pelo CIEnP foram maiores que 98%". A nova revelação contradiz os resultados divulgados e que suscitaram dúvidas quanto a eficácia e segurança da pílula, dias antes da sua sanção pela Presidência da República. O conteúdo do ofício levou aos cientistas detentores da patente a questionarem a veracidade das analises realizadas pelos laboratórios.


Reprodução

A fosfoetanolamina teve o seu uso liberado na semana passada, com a aprovação da lei 13.269 de 13 de abril de 2016, sancionada pela presidente Dilma Rousseff. Após a divulgação dos resultados dos estudos contratados por uma força-tarefa ministerial, que deu ênfase a quantidade de impurezas detectadas nas pílulas, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a comunidade médica recomendaram a não aprovação da lei. 

O secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do MCTI, Jailson de Andrade, descartou em seu discuso no Senado a possibilidade da Unicamp ter sintetizado cápsulas do composto para as suas análises, o que contradiz o resultado do próprio relatório encomendado pela força-tarefa. Em entrevista ao programa Fantástico, da Rede Globo, no dia 10 de abril, Andrade destaca a quantidade de contaminantes encontrados nas pílulas  estudas pelos laboratórios, incluindo os testes da Unicamp. De acordo com a reportagem, os estudos bancados pelo MCTI apontam que a molécula usada no composto não age contra o câncer e a composição possui um máximo de 32,2% de fosfoetanolamina, sendo os outros elementos químicos de impurezas.

Um dia após a veiculação da entrevista do secretário, o cientista Marcos Vinícius de Almeida, um dos responsáveis pela produção da pílula do câncer na USP, rebateu a forma de apresentação dos relatórios de pesquisas financiadas. “O nosso composto é que tem esta ação frente ao câncer e não somente a fosfoetanolamina pura”, alegou. "A forma como foi apresentado [o relatório no programa Fantástico] é tendenciosa. Eles não mostram, por exemplo, as taxas e índices de modificação”, acrescentou. 

Marcos Vinícius frisa que o próprio relatório descarta qualquer toxidade. “Então, a gente pode ficar com a relação: se bem ela [a pílula] não faz por não apresentar melhoras, mal ela não apresenta algum”, destaca. Outro fator importante destacado pelo pesquisador diz respeito à garantia do produto. Ele frisa que, mesmo o composto não funcionando para 100% dos casos, há uma ausência total de pessoas que tomaram a pílula e vieram a óbito. "Não existe processo movido por usuário", afirma. No sentido contrário, Almeida diz que há relatos de melhora dos pacientes, como diminuição da dor, melhoria da qualidade de vida e ganho de peso. "Mesmo que não apresente cura para todos os tipos de câncer, como a gente [equipe da USP] já havia dito desde o início das pesquisas e isso só vai poder ser avaliado após os testes clínicos, a pílula oferece uma contundente melhora da qualidade de vida do paciente, além do fator de atoxidade, que não oferece nenhum risco ao usuário”, salienta.

A proposta do MCTI de comercializar o composto como suplemento alimentar não é vista com bons olhos pelos cientistas da USP, que insistem em cumprir todas as fases dos testes clínicos exigidos para a regulamentação da composição. “Os suplementos acabariam com os testes clínicos e com o avanço da posologia, indicação de doses, as possibilidades de cura... todo este processo”, alega Marcos Vinícius. “A nossa luta junto ao governo é para mostrar onde ela [a pílula do câncer] não funciona [tipo de câncer que o composto não age]”, afirma. 

O biotecnólogo afirma que, independente da divulgação dos relatórios, os testes devem ser colocados em breve no estado de São Paulo. A equipe da USP está buscando também apoio em outros países para cumprimento dos testes clínicos. O MCTI estima um investimento de R$ 10 milhões nas pesquisas, em um período de três anos. 

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