Justiça condena empresas e produtores envolvidos em 'queimadas criminosas'

Cristina Fernandes dos Santos. Foto: Reprodução internet
No incêndio ocorrido em Campos, no ano de 2009, uma trabalhadora teve o corpo carbonizado e morreu em um canavial

O geógrafo e PhD em Environmental Design and Planning Marcos Pedlowski publicou neste domingo (6/3) uma entrevista em seu blog com o advogado Marcos Heli Cardinot Meira, que defendeu o caso da trabalhadora rural Cristina Fernandes dos Santos Dutra, 49 anos, morta por asfixia e carbonizada durante uma queimada em uma propriedade em Campos dos Goytacazes, norte fluminense, em setembro de 2009. Segundo a publicação no blog, a decisão do processo foi divulgada pela Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, que restabeleceu a sentença da 3ª Vara do Trabalho de Campos, que por sua vez condenou empresas e produtores de cana envolvidos no incêndio a pagar R$ 90 mil a cada um dos herdeiros de Cristina.

O processo de ação trabalhista ordinária de número 0024000-27.2009.5.01.0283, impetrado pelos sete filhos e o marido da vítima contra a Cooperativa Agroindustrial do Estado do Rio de Janeiro, o Consórcio de Mão de Obra Agrícola, a empresa Feliz Terra Agrícola, as Fazendas Reunidas Miranda e mais um agricultor, tramitou pela 3a. Vara do Trabalho na Comarca de Campos. Uma sentença assinada pelo juiz federal do Trabalho, Cláudio Aurélio Azevedo Freitas, em novembro de 2011, destaca que o incêndio foi criminoso e reitera os indícios contra os réus.

A decisão detalha as circunstâncias do acidente, ocorrido no dia 29 de setembro de 2009, por volta das 08h30. Cristina atuava como encarregada de uma turma de cerca de 30 trabalhadores no corte de cana, na Fazenda Tocaia, quando teve início o incêndio. Ela teria se separado do grupo para resgatar um trabalhador deficiente e acabou cercada de forma repentina pelo fogo "criminosamente ateado em canavial, por prepostos dos réus". A trabalhadora teve o corpo completamente carbonizado e morreu no local. "Ao determinarem a queimada de canaviais à luz do dia, pondo em risco a segurança dos trabalhadores, além de ilegal, porque repelida por todos os órgãos ambientais, o que está sendo objeto inclusive de Ação Civil Pública, agiram com culpabilidade os réus, pois não atuaram com o mínimo de segurança necessária", destaca um dos trechos da sentença.
"As respostas que vão abaixo [da entrevista com o advogado] mostram que, lamentavelmente, quando se trata de atender os direitos de trabalhadores pobres, a justiça é bastante lenta. Apesar disto, o Dr. Marcos Cardinot mostrou confiança na possibilidade de que um dia a família da trabalhadora morta possa ser ressarcida pela irreparável perda de sua vida", destaca Pedlowski em sua postagem no blog. Veja abaixo a entrevista na íntegra:



Blog do Pedlowski (BP) Como o senhor se envolveu com a causa da trabalhadora Cristina Fernandes dos Santos Dutra?
Marcos Cardinot (MC): Diante do quadro que estava se desenvolvendo naquela época, com a nítida possibilidade da vítima se tornar algoz é que membros da família de “Cristina”, atordoados, me procuraram, por indicação de clientes do meu escritório. Em 2009 os familiares estavam sendo intimados para as audiências a serem realizadas em vários órgãos sobre o fato da morte e das queimadas irregulares nos canaviais (delegacia de polícia, Ministério Público Federal e do Trabalho). Ressalto que os autores da ação são pessoas muito humildes e pobres e igualmente “Cristina” trabalham nas lavouras de cana de açúcar da região, sofrendo todo o tipo de humilhação e privação. Assim, acabei me sensibilizando pela situação que me foi apresentada e abracei a causa. Havia uma absurda acusação anônima plantada não se sabe por quem, de que “Cristina” morreu ao se distanciar da turma de trabalhadores que ela própria chefiava, para caçar preá. Essa versão não foi confirmada por ninguém ao longo do processo. Na verdade, ela foi procurar um trabalhador (deficiente) que havia se distanciado da turma de trabalhadores e em consequência acabou sendo surpreendida pelo fogo e morta de forma cruel e desumana. Ora! Uma trabalhadora rural experiente como Cristina, em hipótese alguma caçaria preá em direção ao fogo.
BP: Por que temos um tempo tão longo para que haja algum tipo de ressarcimento financeiro para a família dela
MC: A morosidade é da própria justiça, atrelada aos tantos e tantos recursos interpostos pelos advogados das empresas. A maioria com nítido cunho protelatório para retardar o desfecho e pagamento das indenizações. Por oportuno, devo dizer que sou contrário à onda que se instalou no país, no sentido de se acabar com os recursos processuais para se tornar o processo mais célere. No meu sentir, o melhor seria equipar a máquina judiciária para proferir julgamentos mais rápidos, ao invés de retirar direitos do cidadão, com redução de recursos processuais. Se o recurso é protelatório, que se faça com que ele seja julgado rápido, com punição ao recorrente de má-fé. Necessitamos sim, de um processo de curta duração, mas, também, com todas as garantias de defesa ao cidadão, impulsionado por uma justiça devidamente equipada para dar respostas através de julgamentos justos, fazendo-se com que os processos não se eternizem nos escaninhos dos Tribunais.
BP: O senhor teve algum tipo de surpresa na condução deste caso?
MC: Muitas. Posso mencionar um fato inusitado que ocorreu no Tribunal Superior do Trabalho em Brasília, por ocasião do julgamento do recurso de revista neste processo no final do ano passado. Ao meu lado na tribuna, igualmente aguardando para fazer a sustentação oral, estava uma advogada contratada de última hora pela empresa Coagro em conjunto com os produtores rurais, que não participou das fases processuais anteriores e até então eu não a conhecia. Somente quando retornei ao meu escritório em Campos-RJ. é que fui informado de que se tratava da presidente do Tribunal Regional do Trabalho do RJ., aposentada em 2014, que havia sido contratada para atuar no processo em Brasília
BP: Agora com essa decisão, há alguma previsão para que a indenização seja paga?
MC: Nenhuma previsão. Ontem verifiquei que as empresas já interpuseram mais dois recursos no próprio TST em Brasília. Na 3ª Vara do Trabalho em Campos-RJ., tramita paralelamente uma Execução provisória, com penhora determinada pelo Juiz de alguns veículos de propriedade da Coagro, os quais, na realidade, se mostram imprestáveis para garantir o pagamento da indenização. Nessa condição, estamos aguardando uma penhora requerida nas contas bancárias dos Réus, cujo entendimento favorável já foi exarado pelo TRT-RJ e pela procuradoria Federal no Tribunal Superior do Trabalho, aguardando-se o pronunciamento no TST
BP: A família da Cristina Fernandes dos Santos Dutra recebeu algum tipo de assistência, financeira ou de qualquer outra natureza, por parte dos réus na ação trabalhista?
MC: Não tenho certeza, mas acho que somente o caixão foi pago, ou nem isso
BP: Que tipo de lições podemos tirar desse caso ?
MC: Temos que acreditar no direito e na justiça sempre, mas, no entanto, sem distanciar da exata noção de que a luta contra o poder é muito sacrificante e desgastante. No meu caso, sozinho, patrocinando todas as despesas deste processo que se arrasta por longos 7 anos, passando por Campos, Rio de Janeiro e agora em Brasília, litigando em face de empresas poderosas, representadas por um “batalhão” de renomados advogados.
BP: Há alguma coisa que eu não perguntei e o senhor gostaria de abordar?
MC: Não sei como estão sobrevivendo os trabalhadores rurais empregados na lavoura de cana de açúcar atualmente, nem mesmo como é o tratamento de seus empregadores após o episódio de “Cristina”, no entanto, posso asseverar que as queimadas foram reduzidas de forma muito significativa na região. Por enquanto, à família de “Cristina” somente resta esperar por justiça, tentando conviver com a dor da perda da mulher que era o alicerce da família e que se foi prematuramente. Por enquanto a justiça está sendo feita, através do restabelecimento no TST da muito bem lançada Sentença proferida pelo Juiz Dr. Cláudio Aurélio Azevedo Freitas.
No Tribunal Superior do Trabalho restou sedimentado o entendimento de que “as atividades relativas ao corte de cana de açúcar são inegavelmente consideradas de risco extremo” e “que a atividade canavieira pressupõe a responsabilidade objetiva do empregador em caso de acidente.”, portanto, haverá reflexos positivos aos trabalhadores de um modo geral, inibindo os desmandos no campo, demonstrando-se a todos que o Direito existe e prevalecerá.

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